De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), atualmente o nosso planeta tem pelo menos 3,3 bilhões de pessoas vivendo em ambientes urbanos e que, até 2025, o cenário previsto é que 60% da população mundial viva em cidades. Um dos grandes desafios resultantes desse cenário é como propiciar uma urbanização sustentável com progresso econômico e social. A tecnologia atual pode ajudar no processo de superação desse desafio através da promoção de sistemas e serviços construídos através de uma abordagem integrada e inteligente. Pelo menos essa é a aposta dos cientistas ao usar o termo cidades inteligentes. Para Caragliu, pesquisador da Universidade Livre de Amsterdam (Holanda), uma cidade é inteligente quando o investimento em capital humano/social e em tecnologias de informação e comunicação (TIC) contribuem de modo harmônico para o desenvolvimento econômico sustentável, com ações participativas e engajadas por parte da população, resultando numa melhoria significativa da qualidade de vida. Esse conceito é interessante pois já mostra que uma cidade inteligente não é construída simplesmente com a aplicação de tecnologia. Tão ou mais importante do que isso, é mandatório considerar a componente humana. Isso é, nas cidades inteligentes, ao invés da tecnologia por sí só ser o fator mais importante, os cidadãos devem ser o verdadeiro centro. Nessa direção, o professor português Alvaro de Oliveira sugere adicionar literalmente a componente humana, resultando no termo
Cidades Inteligentes e Humanas. De acordo com o referido professor [1], as cidades inteligentes e humanas “são cidades onde a Administração implementa políticas e modelos de governação abertos, envolvendo e estimulando os cidadãos a participar na definição dos processos de implementação técnica e social com base na confiança e colaboração recíproca”. Ele afirma ainda que em uma cidade inteligente e humana “as pessoas – cidadãos e comunidades – são os principais agentes da ‘inteligência’ urbana”, onde são encorajadas a criar os seus próprios serviços usando as tecnologias disponíveis.
Atualmente, no mundo inteiro, cientistas estão pesquisando técnicas e metodologias para tornar as cidades atuais em cidades inteligentes e humanas. A UFRN, em ações lideradas pelo Instituto Metrópole Digital (IMD), também vem trabalhando no tema já há pouco mais de dois anos através de projetos pontuais em áreas como segurança pública, turismo, entre outras. No início, embora ações isoladas, já contavam com a cooperação com orgãos governamentais municipais e/ou estaduais. Cooperação essa que é essencial uma vez que permite um melhor entendimento do problema sob a perspectiva de quem realmente tem o dever e as condições de resolvê-los. Sem essa parceria, as soluções desenvolvidas pela universidade poderiam ser inaplicáveis nas nossas cidades. Os primeiros resultados dessas ações ajudaram a entusiasmar o grupo do IMD, que se articulou com o objetivo de congregar pesquisadores e profissionais com grande experiência teórica e prática em áreas associadas com os grandes desafios científicos e tecnológicos inerentes às cidades inteligentes, como computação em nuvem, computação móvel, computação e processamento inteligente de grandes volumes de dados, sistemas físicos cibernéticos, Internet das Coisas e comunicação máquina a máquina. O objetivo dessa congregação é promover direções futuras para cidades inteligentes, humanas e verdadeiramente sustentáveis através de uma abordagem inovadora na área de cidades inteligentes, pois ela aborda de forma holística a solução de integração das diversas tecnologias de comunicação e processamento de informação que suportam as aplicações e serviços de cidades inteligentes. Dessa congregação saiu a idéia da criação de um instituto de pesquisa, com abrangência nacional, para o desenvolvimento de soluções específicas para cidades inteligentes e humanas. A criação de tal instituto ainda está sendo articulada no momento.
Outro resultado das primeiras ações isoladas foi o estreitamento de laços com os poderes públicos a nível estadual e principalmente municipal. Nesses últimos anos estamos sempre conversando com prefeitura, governo do estado, e outros organismos diretamente relacionados com o ecosistema de inovação da cidade. Podemos sentir uma onda de entusiasmo e um forte engajamento na direção de tornar Natal uma cidade inteligente e humana. Como resultado desse entusiasmo a UFRN assinou dois acordos de cooperação: (i) o primeiro foi assinado especificamente com a SESED/RN, que rege as nossas ações na temática de segurança pública; e (ii) o segundo foi assinado com a prefeitura de Natal, através da liderança da SEMPLA, mas que por ser um acordo com a prefeitura como um todo, pode envolver qualquer outra secretaria municipal. Esse segundo acordo foi assinado há pouco mais de um mês e, a princípio, a idéia é criar o portal de dados abertos da prefeitura. O auge desse entusiasmo foi sentido em outubro de 2015, quando organizamos o II Workshop sobre Cidades Inteligentes do IMD, onde discutimos os projetos atuais, perspectivas de ações futuras, conceitos, metodologias, novas parcerias, etc. Tal evento contou com a participação efetiva não só da academia mas também com a forte presença do governo do estado e da prefeitura, do
Sistema S e da comunidade em geral. Agora, cerca de quatro meses depois do evento, quando olhamos para trás já conseguimos perceber o quanto as atividades com várias secretarias municipais se intensificaram daquele momento em diante.
Falando em evento, estamos felizes por Natal ter recebido um novo evento na área, o BRAZIL-EU COOPERATION ON HUMAN SMART CITIES AND FIWARE WORKSHOP. Esse evento foi organizado pela Sociedade Brasileira de Computação, Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação brasileiro e pela Comissão Europeia, órgão executivo da União Europeia. O evento, que contou com o apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, através do Instituto Metropole Digital, e da Prefeitura Municipal de Natal, e foi realizado nos dias 16 e 17 de fevereiro de 2016, no próprio Instituto Metropole Digital. O evento cumpriu com sucesso o objetivo: debater um plano de ações a serem realizadas pelo Governo Brasileiro em parceria com a Comissão Européia, para fomentar projetos e iniciativas no âmbito de Cidades Inteligentes e Humanas no Brasil. Participaram do evento representantes da comunidade acadêmica brasileira, da Comissão Europeia, de políticos, de órgãos governamentais e ainda de empresários.
Todo esse trabalho realizado até agora é só o começo. Embora tenha sido uma fase importante uma vez que serviu como alicerce e como fator motivador, os resultados mais impactantes só virão com o tempo. Para isso, temos que fortalecer ainda mais os elos entre academia, governo e comunidade, sempre com objetivos bem definidos. O primeiro passo é a abertura dos dados, o que significa que informações importantes (por exemplo, como dados da saúde, mobilidade urbana, educação, meio ambiente, entre outros) são disponibilizados para a comunidade. Uma vez de posse dessas informações, a população pode não só ficar mais informada, mas também ter acesso à novos serviços que surgirão a partir desses dados. Por exemplo, imagine que a localização de todos os veículos de transporte público coletivo de uma cidade seja disponibilizado em tempo real. Isso possibilitaria a construção, até mesmo pela própria comunidade, de aplicativos para celulares e murais nas paradas de ônibus mostrando em quanto tempo o seu ônibus vai passar na parada mais próxima de sua casa. Após abertura dos dados, que é algo que acontece gradualmente, temos que trabalhar na implantação de uma plataforma que suporte e facilite a construção das aplicações que utilizem os dados abertos.
Natal está no caminho certo? Acreditamos que sim! Entretanto, temos que atrair fortemente a comunidade para participar do processo, envolvendo cada vez mais o cidadão, empresas, governo e academia. A população só tem a ganhar, não apenas com serviços públicos de qualidade, mas até com uma mudança positiva no modo de se governar. Com dados abertos e uma maior comunicação com a população, as administrações das cidades - que são baseadas em políticas reativas com decisões sendo tomadas por demanda em virtude dos problemas já conhecidos - passarão naturalmente a ser pró-ativas. O alicerce foi construído, agora temos que começar a levantar as paredes.
[1] Texto extraído do artigo Living Labs: A experiência Portuguesa, de autoria de Alvaro de Oliveira e David Amaral de Brito, publicado na Revista Iberoamericana de Ciencia, Tecnologia y Sociedad.
Escrito pelos professores:
Prof. Frederico Lopes, IMD, UFRN. Coordenador do projeto SmartMetropolis.
Prof. Nelio Cacho, DIMAp, UFRN. Vice-coordenador do projeto SmartMetropolis.
- Esse artigo foi publicado, de forma resumida, no Jornal Tribuna do Norte, na edição de 17.02.2016